quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A POESIA MÍSTICA E AMOROSA DE RUMI





Pouco conhecido no Brasil, o sufismo é uma fraternidade espiritual nascida na antiga Pérsia e marcada pela busca de liberdade interna. Seus adeptos são, muitas das vezes, artistas, poetas, músicos, dançarinos, atores, que se utilizam da arte como meio de afinar sua espiritualidade. Dessa maneira, eles se destacam por criar meditações criativas e inspiradas, alegres e despojadas.

O sufismo é um movimento espiritual que se infiltra em todas as demais escolas espirituais e religiões e tenta extrair de cada uma delas suas verdades mais íntimas e secretas. Sua essência é aceitar qualquer experiência e decifrar a inteligência camuflada por trás dela. Dessa maneira, um sufi nunca evita uma experiência, mas busca usá-la, seja qual for, como caminho para a vivência da espiritualidade.

O caminho dos sufis rumo à realização espiritual passa sempre pelo coração. Ser um sufi significa viver um caso de amor com a espiritualidade, envolvendo a paixão fervorosa de um amante e a maturidade tranqüila de um amor fraterno.

Pode-se mesmo dizer que os dois referenciais máximos do sufismo são o a liberdade e o amor. Rumi, poeta sufi do século XII resume este espírito em seus versos: “Ó amantes, abandonai as tolas ilusões. / Enlouquecei, perdei de vez a cabeça. / Erguei-vos do fogo ardente da vida / – tornai-vos pássaros, sede pássaros” O arrebatamento que Rumi evoca é a matriz do comportamento sufi, a entrega sem limites, sem medir as conseqüências e principalmente, sem medir o quanto se dá e o quanto se espera de volta, a entrega total como se não houvesse outra coisa a ser feita. A entrega que só conhecem aqueles que estão embriagados pela paixão.

Rumi pede em seus versos uma atualização constante do sentir, “Limpa teu coração dos velhos rancores, / lava-o sete vezes / e serve o vinho do amor / torna-te o amor.” Esse é o cerne do sufismo, amar infinitamente o finito, de forma que o contato com o infinito não esteja fora, mas dentro de si. Amar tão infinitamente, que não é preciso alcançar algo fora de si que contenha, como “prêmio”, a espiritualidade, mas que essa própria intensidade e pureza de amor, possa traduzir o néctar da espiritualidade.

Dessa maneira, para o sufi, mais importante que “o que” fazer, é “como” fazê-lo, com que sinceridade interna, com que inteireza, com que intensidade de doação de si. Assim, segue Rumi no poema: “Enche tua alma de todo o amor, / transforma-o na alma suprema. / Senta à mesa dos santos, / embriaga-te, sê o vinho.” Sim, “sê o vinho”, quem é capaz de reconhecer o próprio nectar e embriagar-se dele? Todos o são, potencialmente, mas na prática, quantos o fazem? “Dentro do coração emperdenido do homem / arde o fogo que derrete o véu de cima abaixo. / Desfeito o véu, / o coração descobre as histórias de Hidr / e todo o saber que vem de nós.” Sim, o mestre sufi aponta o tempo todo para isso: o grande saber não está em nenhum livro, mas no centro do peito da pessoa; Rumi, um dos maiores intelectuais e eruditos de sua geração, achava a erudição um perigo, que poderia afastar a pessoa de sua fonte mais pura de sabedoria, o coração. Por isso, não se contentou em criar algumas das mais belas e populares poesias persas de todos os tempos, mas criou também a mais famosa meditação sufi, o sama, o giro dos Dervishes.

Para conhecer a riqueza do universo sufi, é necessária a prática, mais que qualquer conhecimento escrito. Como diz Rumi, “A palavra surge da alma, / mas diante dela se apequena / …ter sabedoria e vertê-la em palavras / é a honra maior a nós concedida, / mas, diante do sol da verdade, / fala e saber minguam e desaparecem”. Esse foi o recado de Rumi e tem sido o de todo o movimento sufi: se você quer conhecer a verdade interior, leia o quanto quiser, ou simplesmente não leia, mas, “pratique”, se você quer falar sobre espiritualidade, conheça-a primeiro, de verdade. O meio para isso pode ser praticar as meditações sufis. Com o coração.

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Pedro Tornaghi

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